segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Dinho exorciza os fantasmas

ENTREVISTA DO DINHO PRA "O TEMPO"

Sorridente, brincalhão e "batendo uma bolinha" no quintal, o cantor recebeu a reportagem em sua casa, em São Paulo. Foi uma pequena pausa na agenda cheia, na qual Dinho relembrou o acidente que sofreu no ano passado, em Patos de Minas, quando quebrou a coluna. Fisicamente, o artista ainda sente dores, mas o trauma maior é psicológico, diz. "Eu me tornei um cidadão mais participativo", diz ele, que fala ainda de política e de certa decepção com a juventude do país.
Do que você se lembra do acidente em Patos de Minas e como isso te afetou?
A última coisa de que lembro é de ver a fita amarela de "não pise". Foi a experiência mais difícil da minha vida. Fiquei um mês na UTI. Demorei seis meses para retornar aos palcos, sinto dor até hoje. No primeiro momento em que fui cantar, não consegui, pois havia atrofiado músculos e afetado as cordas vocais. É difícil passar por experiência pior do que essa.

Você viu imagens do acidente?
Eu não tive coragem de ver até o fim. Vi os primeiros segundos, até o momento em que caio reto e bato o queixo no palco. Só aquilo é suficiente para me incomodar. Deduzo que deve ter sido como um gancho no boxe, "pof", que deve ter me desacordado, pois não me lembro de sentir dor e eu quebrei tudo, o crânio, seis vértebras, três do pescoço. O que aconteceu foi que não atingiu a medula, por isso estou aqui, agora. Foram várias sortes.

Você se lembra do bombeiro de Brasília que estava na plateia e salvou sua vida?
Eu não sabia do bombeiro. A história é curiosa. Recebemos o e-mail de um major, superior dele, falando que iam dar uma medalha para o Jenner, não por ter salvo a mim, mas por mérito do cara, que já salvou 15 pessoas. O e-mail chegou à gravadora Sony com essa história surreal e acabou vazando para a Globo, que fez uma reportagem no "Fantástico" e nos apresentou. Mas ele era o mais relutante em gravar a matéria, dizia que não fez nada demais, nenhum favor, que era obrigação dele. Mas a minha sorte é que esse cara estava passando na hora.

Você acredita em sorte?
Acho que é o casuísmo, o destino. Não sou religioso, cresci num ambiente atípico, meus avós eram ateus. Não sei rezar, nunca entrei numa igreja, tenho dificuldade até de entender isso. Eu me considero agnóstico e admito que existe o mistério, pois não consigo me dizer ateu. O lugar onde estamos é muito bizarro, tenho muita dificuldade de entender o infinito, mas consigo conviver com a dúvida.

Qual a lição?
Me vi como alvo de muita generosidade. As pessoas se comoveram. Recebi e-mails de dentro e fora do Brasil. Depois disso, voltei a participar mais de projetos voluntários, me tornei um cidadão mais participativo. Ajudo ONGs como a Operação Sorriso, para cirurgias em crianças com lábio leporino. Eu fui a Fortaleza e participei de uma operação. Eu, que tenho pavor a sangue. A lição é passar a generosidade adiante, não dando dinheiro, mas ir lá, tocar na criança, fazer o show para arrecadar fundos.

Qual a influência no trabalho recente, o CD "Das Kapital"?
Parte das letras foi escrita depois. Assim que voltei a mim no hospital, me perguntaram se o disco devia ser adiado. Como minha recuperação ia ser lenta, disse que não, só que não conseguia cantar. Tive de gravar com a ajuda de uma fonoaudióloga, uma canção por dia.

E nas letras, qual verso melhor traduz a experiência?
A letra inteira de "Ressurreição" pode ser associada ao que me aconteceu. O verso "pregado numa cruz, dirigindo sem as mãos" para mim é uma mistura de martírio e de impotência. A impressão de que não se pode fazer nada, algo inerente à vida. "Dirigindo sem as mãos" diz respeito à falta de controle em um lugar perigoso que é estar vivo. Por isso, a música abre o disco.

Para quem quebrou a coluna, você se recuperou relativamente rápido...
Tive duas ocorrências especializadas. Primeiro, passei pelo trauma e fui atendido por neurocirurgiões para tratar as vértebras quebradas e hemorragias. Como se não bastasse, peguei uma infecção hospitalar, tive flebite, uma inflamação nas veias que atingiu meu corpo inteiro e virou septicemia. Nos dois episódios, os médicos disseram que a lesão poderia ter sido mais grave se a musculatura das costas não tivesse reforçada pela ginástica e que, no combate à septicemia, o coração ajudou muito por eu ter um treinamento aeróbico. Eu me exercito regularmente, ando de bicicleta, skate e corro todo dia. Atualmente, estou limitado à esteira da academia para diminuir o impacto. Mas vou para lá de bicicleta.

E psicologicamente?
Não tive nenhuma sequela física permanente, a dor é cada vez menor e menos frequente, eventualmente vai embora. O que não dei conta foi da sequela emocional. Fui sentindo muita ansiedade, insônia, alternando momentos de alegria, tristeza e muita raiva. Engoli isso por dez meses, até que, há dois meses, eu procurei uma psiquiatra que diagnosticou, surpresa, síndrome de estresse pós-traumático, que dá em pessoas sequestradas ou que voltam da guerra. Lidar com isso sem saber acaba afetando a família, que percebe as consequências do estresse. Eu estava ficando insuportável. A psiquiatra receitou um antidepressivo, que me deu uma acalmada.

Que história é essa de uma cartomante dizer para você não voltar a Patos de Minas? Você já foi lá.
Minha mulher, Maria, supersticiosa e religiosa, procurou uma cartomante, que fez essa ressalva a Patos. Eu voltei lá, porque achei que deveria agradecer às pessoas que me atenderam e botar uma pedra em cima daquilo. As pessoas olham para mim e me associam ao paciente, não ao músico. Foi muito bizarro subir naquele mesmo palco, senti muita angústia, mas a vida segue e vou tocar lá de novo. Volto a Minas no dia 21 de novembro, para show de graça em praça pública, para a rádio Mix FM (será às 16h, na praça da Estação).

Falando de política, o tema foi recorrente nas letras do Capital Inicial nos anos 80 e vocês foram até censurados. Quais são suas inspirações hoje?
São políticas também, mas mais em relação aos costumes. Sou a favor da liberação do aborto, da legalização das drogas, liberação do casamento e do direito de herança entre homossexuais, tudo do que a Dilma procurou se defender ao virar uma neobeata. Estou surpreso em ver como o Brasil é reacionário.

O que você achou do Congresso recém-eleito?
Acho que merece ser xingado porque o Tiririca foi o cara mais votado em São Paulo, o Maluf teve 400 mil votos e, apesar de um terço dos deputados ter ficha suja, a maioria foi reeleita. Acho isso surreal.

Partindo do pressuposto de que o artista é um cronista das mudanças da sociedade, que Brasil é esse que você canta hoje?
A visão que tenho é de uma ruptura com o Consenso de Washington, de deixar os indivíduos acima de tudo e o Estado, ausente. Em países como o Brasil, o Estado tem de ser o motor do desenvolvimento. Pregar o neoliberalismo no Brasil acho algo sem sentido. A premissa do Lula está correta, de repartir o bolo para vê-lo crescer. É através da distribuição de renda que o Brasil vai crescer.

O que você acha da música feita hoje no Brasil?
Predominantemente, eu lamento. São raras as exceções, vejo muita alienação e obsessão com a fama. Não vejo nada sair da boca dos caras, a não ser falar do cabelo, da roupa e do relacionamento com os fãs. Não manifestam opiniões em nenhum aspecto, são muito individualistas. Diria que é porque os caras cresceram em um Brasil democrático, com a moeda estável e liberdade de expressão e um futuro a ser vislumbrado. Ok, tudo bem, mas surpreendente é que, mesmo com esses aspectos positivos, o Brasil está longe de ser um país desenvolvido ou com a cabeça arejada. E há uma garotada que é alheia a isso tudo.
(Marcelo Fiuza, enviado especial a São Paulo)

Um comentário:

  1. Olá!,
    passamos só para agradecer imensamente o blog e a homenagem que fez e faz a banda, muito obrigada de coração pelo carinho e esperamos estar sempre em bons momentos, sempre os embalando com a trilha de Capital.
    Abraços

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